Apesar da pandemia do novo coronavírus, estados e municípios fecharam 2020 com quase o dobro de dinheiro em caixa em relação ao ano anterior, segundo dados do Tesouro Nacional e do Banco Central.
De acordo com as duas instituições, o saldo de estados e municípios passou de R$ 42,7 bilhões em 2019 para R$ 82,8 bilhões, no fim do ano passado, uma alta de 94%. Trata-se da maior disponibilidade de caixa para prefeitos e governadores em ao menos 19 anos (desde 2001; veja no gráfico, mais abaixo).
Mesmo assim, é insuficiente, segundo avaliação do presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), Rafael Fonteles, secretário da Fazenda do Piauí.
Segundo Fonteles, a melhora do caixa dos estados é “absolutamente transitória”.
“Esse fôlego ocorreu graças a três eventos extraordinários — à transferência realizada pela União; ao pagamento do auxílio emergencial; e à suspensão da dívida dos estados. É uma melhora real, porém, passageira, absolutamente transitória. A preocupação com a situação fiscal dos estados continua”, declarou.
Ao todo, estados e municípios receberam R$ 60 bilhões em quatro parcelas, pagas entre junho e setembro, segundo os dados do Tesouro. Como contrapartida, os entes da federação ficaram proibidos de conceder reajustes salariais aos servidores até o fim de 2021.
Essas transferências foram o segundo maior gasto do governo federal no combate à Covid-19. Só ficaram atrás do auxílio emergencial, que custou R$ 293 bilhões e beneficiou quase 68 milhões de pessoas.
Além dos repasses, estados e municípios tiveram, ao longo de 2020, a suspensão do pagamento das dívidas com a União, no valor de R$ 65 bilhões. Ou seja, no total, o pacote de ajuda se aproximou dos R$ 125 bilhões.
Mas, sem a previsão de novas transferências e sem a definição de uma nova rodada de pagamento do auxílio emergencial, a situação do caixa de estados e municípios pode voltar a se deteriorar. Fonteles argumenta que os estados voltaram, a partir de 1º de janeiro, a pagar as parcelas da dívida que têm com a União.
No mês passado, o Comsefaz pediu, em carta ao Poder Legislativo, a prorrogação das medidas econômicas para o enfrentamento da segunda onda da pandemia de Covid-19.
“Nossos gastos com saúde cresceram bastante no ano passado. Com a continuidade da pandemia, com o atraso do calendário de vacina em relação ao que temos visto no resto do mundo, continuaremos gastando bastante com saúde este ano. O auxílio emergencial no ano passado gerou consumo, aumentou a arrecadação com o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estadual]. Não fosse ele não teríamos essa folga que foi observada nos números.”
Melhoria da receita
Os dados do Tesouro Nacional evidenciam, portanto, que o socorro da União acabou sendo mais generoso do que o necessário, como já apontavam números da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal.
Isso porque as arrecadações estaduais e municipais caíram bem menos do que o previsto no início da pandemia – em alguns casos, até cresceram. Dados da IFI indicam que, em alguns estados, a melhora da receita tributária chegou a superar os dois dígitos.
O grande impulsionador foi o auxílio emergencial, que alavancou o consumo e turbinou a arrecadação do ICMS, no caso dos estados, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), no caso dos municípios.
Nesse cenário, o governo federal fechou 2020 com um rombo de R$ 745,3 bilhões nas contas públicas. Já estados e municípios foram na contramão e terminaram o ano com as contas positivas.
Estados querem mais ajuda
Apesar do forte crescimento do caixa, secretários de Fazenda de 18 estados se uniram no início do ano para pedir ao Congresso Nacional a prorrogação de medidas econômicas para o enfrentamento da segunda onda da pandemia.
Em carta, os membros do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz) solicitaram a renovação do auxílio emergencial, do estado de calamidade pública e do “orçamento de guerra” por seis meses.
Além disso, pediram a suspensão do pagamento de precatórios e a possibilidade de suspensão do pagamento de amortização e juros de dívidas com a União, bancos públicos e de operações de crédito feitas com instituições financeiras e multilaterais com aval da União por um ano.
A equipe econômica já admite renovar o auxílio emergencial, mas em uma versão mais enxuta, que atinja apenas metade dos beneficiários de 2020. E isso aconteceria dentro do Orçamento regular, tendo como contrapartida a aprovação de medidas fiscais.
Necessidade de reformas
Economistas e o próprio Tesouro Nacional alertam que, apesar do alívio momentâneo no caixa de Estados e municípios, esses governos têm registrado piora na contabilidade nos últimos anos.
O cenário tem forte relação com o aumento das despesas com o funcionalismo público – o que reforça a necessidade de reformas estruturais.
Em 2019, nove estados superaram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com pessoal. A lei diz que os estados não podem gastar mais de 60% da receita corrente líquida com pagamentos a servidores, incluindo os da ativa e os aposentados.
Atualmente, somente o Rio de Janeiro faz parte do Regime de Recuperação Fiscal, mecanismo criado para socorrer e reestruturar as finanças dos estados em crise. Mas pelo menos outros três governos negociam adesão: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás.
FONTE: G1