Um mês depois de ser resgatada em condições análogas à escravidão no bairro da Abolição, Zona Norte do Rio, uma idosa de 63 anos ainda conseguiu contato com parentes de seu estado natal, São Paulo.
O G1 mostrou com exclusividade a operação responsável pelo resgate da idosa, que trabalhou 41 anos para a mesma família, sem receber salário ou qualquer benefício trabalhista. Desde então, ela está acolhida em um abrigo da Prefeitura do Rio.
A vítima contou a uma assistente social que a empregadora jogou fora seus pertences, nos quais havia anotações particulares onde constavam contatos de parentes.
O caso foi encaminhado esta semana pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RJ) para o Ministério Público Federal para a apuração criminal. Na avaliação de procuradores do trabalho, entre os crimes que devem ser apurados estão a redução de trabalhador a condições análogas às de escravos e o saque do auxílio emergencial da vítima pelos empregadores.
O MPF, por sua vez, pediu à Polícia Federal abertura de inquérito policial. O primeiro crime (redução de trabalhador a condições análogas às de escravos), se comprovado, pode resultar em 2 a 8 anos de prisão, e, o segundo, 1 a 5 anos.
Em fevereiro, o MPT-RJ ajuizou uma ação civil pública contra uma professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que, segundo o órgão, abrigou a idosa.
“A empregadora não pagou as verbas indenizatórias no prazo que a fiscalização tinha estipulado e negou a existência de relações de trabalho. Sem a ação, não seria possível resolver a questão”, explicou a procuradora responsável pelo caso, Isabela Maul.
Se for condenada, a professora poderá ter que pagar R$ 1,3 milhão. Entre as verbas previstas, estão:
- Verbas trabalhistas devidas
- Pagamento de gastos decorrentes do resgate
- Pagamento da parcela do auxílio emergencial sacada indevidamente
- Pagamento de indenização por danos morais (individuais e coletivos)
- Pagamento de um pensionamento substitutivo da aposentadoria (que ela não pode gozar porque não houve recolhimento previdenciário)
Segundo Isabela Maul, a Justiça do Trabalho já determinou liminarmente o pagamento de um valor mensal por parte da empregadora, que pode recorrer da decisão.
“De pronto, ainda sem ouvir a empregadora, o juiz do caso já determinou o pagamento de uma quantia mensal, uma espécie de pensionamento para garantir a subsistência da trabalhadora”,
A vítima foi acolhida pelo projeto Ação Integrada, uma parceria entre o MPT e Caritas Arquidiocesana.

Empregada dormia em quarto sem luz no fundo de uma casa na Abolição — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
O resgate
A trabalhadora foi resgatada no final do mês de janeiro, durante uma ação da Força Tarefa do Grupo Móvel de Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo.
A operação foi realizada em conjunto pelo MPT, Auditores Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e pela Polícia Federal.

Pertences da empregada acumulados no quarto onde ela dormia — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Na inspeção realizada na residência da professora, a vítima foi encontrada dormindo em um quarto sem energia elétrica e com poucos pertences armazenados em uma caixa de papelão.
A trabalhadora estava muito magra, aparentemente desnutrida, e, segundo relatos de vizinhos, vivia sob constantes maus tratos, violência física, e realização de trabalhos exaustivos, sob o sol, absolutamente incompatíveis com sua idade e porte físico.
Os investigadores descobriram que a trabalhadora era obrigada a catar latas de alumínio nas ruas, com o objetivo de vendê-las e reverter o dinheiro obtido à professora.
Os agentes públicos também identificaram que a professora sacou os valores do auxílio emergencial da trabalhadora, apropriando-se deles de forma indevida.
O caso já foi comunicado ao Ministério Público Federal, para adoção das providências cabíveis.
A trabalhadora resgatada foi levada para um hotel, onde foi medicada e recebeu roupas. Em seguida, ela foi transferida para um Centro de Acolhimento da Prefeitura do Rio.
Indenização de R$ 1,3 milhão
Na ação, o Ministério Público do Trabalho pede à Justiça que a professora tenha seus bens bloqueados em nome da trabalhadora, inclusive pede o arresto do imóvel onde a vítima foi encontrada.
Os procuradores calcularam o valor de R$ 1 milhão para o pagamento de verbas trabalhistas e indenizações em favor da trabalhadora.
Empregada declarou que ‘não manda na própria vida’
Em depoimento à Força-tarefa de Combate ao Trabalho Escravo, a empregada contou que tinha uma rotina de muitas privações nas quatro décadas que trabalhou sem receber salários e que “não manda na própria vida”.
A mulher contou em depoimento que às vezes recebia R$ 6 ou R$ 7 de sua empregadora, e que usava em alguns momentos o dinheiro para comprar sabonete para tomar banho. O vínculo empregatício da vítima nunca foi registrado na sua carteira de trabalho.
Fonte: G1