O Brasil já deveria ter imunizado 431.983 indígenas contra a Covid-19. Mesmo com a inclusão dos aldeados entre os quatro primeiros grupos prioritários, apenas 164.592 foram vacinados no primeiro mês da campanha, de acordo com dados do governo consolidados até as 13h de quarta-feira (17).
O baixo percentual de vacinação no Brasil (62% ainda não tomaram nenhuma dose) é ainda maior entre os estados da Amazônia (71%). É nesta região do país que mais lideranças relatam a difusão de fake news que alertam os povos indígenas contra o que chamam de “vacina com chip da besta fera” (leia mais a seguir).
Os dados foram contabilizados pelo G1 com base nas informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde na ferramenta LocalizaSUS. Os estados de Roraima, Paraná, Tocantins e Rio de Janeiro têm a menor taxa de aplicação da primeira dose (veja gráfico abaixo). Todos os nove estados da Amazônia vacinaram menos de 50% da população indígena.
Indígenas fora da prestação de contas ao STF
Em meio aos relatos de notícias falsas e a baixa taxa entre os aldeados, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou, em documento enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o status da vacinação entre quatro grupos de idosos e profissionais de saúde. Os números apresentados indicam que foram vacinados todos os idosos com mais de 90 anos e 73% dos profissionais de saúde. Entretanto, os dados dos povos indígenas brasileiros, grupo prioritário na Fase 1, foram omitidos.
A baixa cobertura vacinal dos indígenas é o mais novo capítulo negativo na gestão federal da pandemia entre os indígenas. Ainda em julho, o STF determinou que o governo adotasse medidas para proteger as comunidades indígenas e evitar a mortalidade pela Covid-19. Na primeira tentativa de ação conjunta, entidades indígenas relataram humilhação. Pouco mais de um mês após a determinação, o STF ordenou que o plano fosse refeito.
Informações falsas sobre a vacina
Diferentes representantes indígenas e funcionários de saúde denunciam que as fake news sobre a vacina chegaram às comunidades por missionários evangélicos. Eles associam a baixa vacinal a essa campanha negativa, e avaliam que as dificuldades logísticas não são o principal entrave.
O estado de Santa Catarina confirmou a rejeição à vacina em alguns povos, “principalmente, nas unidades descentralizadas de Vigilância Epidemiológica (UDVES) de Rio do Sul e Xanxerê”. Além disso, a secretaria também confirma que o motivo mais comum de recusa às doses é o recebimento de informações falsas.
Os estados do Paraná e do Tocantins chegaram a responder, mas disseram que apenas os Distritos Sanitários Especiais Indígenas podem detalhar os problemas. Já o estado do Amazonas disse que “oficialmente, não há nenhuma notificação junto aos órgãos relatando ter havido negação à vacina ou dificuldade de logística”. As outras secretarias de saúde estaduais, do Rio de Janeiro, Roraima, Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul não responderam até a publicação desta reportagem.
Cleidiane Carvalho, responsável pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Tapajós, no Pará, diz que as dificuldades tradicionais, as estruturais, foram resolvidas.
“Nós estamos conseguindo superar. Tem todo o suporte, tanto aéreo, tanto terrestre, quanto fluvial, as equipes também estão com os EPIs [equipamentos de proteção individual], que é uma dificuldade de várias outras unidades. A questão da distância também conseguimos superar. Agora, a das fake news nós não estamos conseguindo superar”, disse.
Profissionais de saúde passam por dificuldades para vacinar indígenas contra a Covid-19 no Amazonas
Cleidiane está recebendo cartas e documentos de agentes de saúde. Eles relatam que chegam às comunidades e recebem uma negativa dos indígenas sobre a vacinação.
“Em missão São Francisco, que tem mais de 1.800 pessoas, nós conseguimos fazer 59 doses. O problema maior, por exemplo, no polo base de Itaituba, nós tivemos relatos por parte da equipe de que o pastor da Assembleia de Deus dizia que não era para se vacinar porque seria implantado o chip da besta fera com a vacina. Dificulta”, disse ao G1. Segundo ela, os indígenas acabam acreditando nessas informações, que chegam também pelas redes sociais.
Caciques confirmam a recusa
O cacique Mobu odo Arara, da terra indígena Cachoeira Seca, no Pará, historicamente a mais desmatada do país, diz que tem “muitas pessoas falando mentira” e que o “pessoal fica com medo de tomar a vacina”.
“As mentiras chegam nas redes sociais para nós, na verdade, todas as aldeias, não é só pra nós não. Nos Yanomami [Roraima] aconteceu a mesma coisa e chegaram a denunciar essas pessoas que estavam mandando áudio. Também está acontecendo com os Munduruku [Pará]”, contou.
O cacique diz, ainda, que a informação que receberam é de que a pessoa vacinada “fica amarela” depois da primeira dose.
“Dizem que viram em um hospital de São Paulo um ‘horror de gente’ amarela, ficaram com cor diferente. E aí eles falam no áudio que são as pessoas que tomaram a vacina” – cacique Mobu odo Arara.
Há relatos, ainda, entre os Kayapó Xikrin, no Pará, e em comunidades do Amazonas. O G1 entrou em contato com os nove estados do Brasil com a menor taxa de vacinação entre os indígenas aldeados e perguntou sobre outras dificuldades para a aplicação das doses, além dos problemas com as “fake news”.
Questionado sobre a baixa taxa de vacinação e as mensagens falsas sobre as vacinas disseminadas entre os povos indígenas, o Ministério da Saúde respondeu que equipes “dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) têm realizado constante conscientização sobre a imunização contra a Covid-19”.
Além disso, o governo afirma que “presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e lideranças indígenas têm apoiado a SESAI reforçando a campanha de imunização nos Distritos. “
O G1 também entrou em contato com a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), vinculada à pasta, e não recebeu uma resposta.
FONTE: G1